Toda Beleza é uma música sobre a infinitude do ser e o efeito sublime desta descoberta - um misto de espanto e admiração: quem sou eu, que não tenho fronteiras nem beiradas? Quais são as coisas que encontro, assim que mergulho em mim? Onde é mesmo meu fim? E por que permaneço na mesmice de mim, tendo um universo de possibilidades de mim, aqui mesmo, dentro de mim?
Por outro lado, ao voltar do mergulho, a música depara com o que está fora do ser: o mundo como está dado, a vida como regente, nós como jogadores em campo aberto, o tempo sempre chegando e o abismo dos mistérios que nem religião nem ciência nem linguagem alguma deram conta, mesmo que todos saibamos sentindo: a vida como um lindo labirinto.
A música também trata dessa busca diária por compreender o mundo e compreender-se a si e também em relação com esse mundo, fala da sobrecarga pelo não-sentido das coisas, da luta contra a mesmice do mal-hábito e, principalmente, da verdade desencantada.
Se a música traz essas provocações, o clipe abre para outra questão que orbita a música: por que ignoramos nossa infinitude e nossa capacidade de ser plural?
Ignoramos?
Ou estamos distraídos?
Ou estamos distraídos?
Diante dessas colocações, a lógica que leva ao clipe se configurou assim: enquanto crianças, fomos educados somente para a técnica e não para a reflexão; enquanto jovens que não refletem (e por isso são doentes) mas sabem fazer coisas, fomos covardemente distraídos pelo conforto e pelo consumo que, junto ao status, formam a trindade da humanidade hightech (o trabalho seria nosso “ritual de elevação”); e, por fim, enquanto velhos, podemos prever o que nos espera: a verdade desencantada. Uma vida roteirizada para o lucro, do parto ao enterro; a vivência como uma lista de bens e status a serem conquistados (✓); a perspectiva de ou gerar lucro ou gerar lucro. E claro, a infelicidade como óleo do motor do lucro: trago seu amor em uma semana ou seu dinheiro de volta, emagreça vinte quilos em vinte dias, cuidamos de idosos, ganhe dinheiro sem sair de casa, vou te receitar um antidepressivo, vem ser feliz, aumente seu potencial, etc.
Ora, de todas as fases, a juventude seria o melhor recorte para representar este ciclo: é possível identificar os rastros de uma formação tendenciada e as reverberações ecoando para o futuro.
A escolha do apartamento e personagens de “classe média”, por sua vez, revela a infelicidade do status, que é a grande ilusão projetada pela meritocracia: o sonho de um dia chegar ao ‘topo’, o rico endividado, o luxo da decadência. Esta classe engavetada em apartamentos caros: não podemos ignorar. E, além de trazer a identificação dessa classe nesta perspectiva, este clipe pode escancarar a mediocridade do status (e revelar que as casas de filme-velho-oeste são apenas biombos de madeira bem pintados).
Por isso tudo, os jovens deste apartamento confortável estão depressivos, usam a alta tecnologia como fuga, acordam se dopando diante de uma vista linda e não sabem lidar com o vazio da existência sem consumir algo.
E por esta razão, estes jovens, neste apartamento, neste mundo, fazem música e dançam: a arte é um contraste necessário, a grandeza da nossa multi-potência versus onde essa potência está sendo aplicada.